domingo, 29 de março de 2015

Capacidades ou Competências. Eis a questão. Ou não.

Eduardo Jorge Madureira Lopes, no Diário do Minho de hoje, diz: "A iniciativa do Ministério da Educação, diz a Associação [de Professores de Português], visa substituir o conceito de "competências" pelo de "capacidades". Aquilo que nas almas comuns, apenas suscitará indiferença, indigna uma dirigente da associação, Filomena Viegas, que explica: "Eu tenho a capacidade de andar porque não sou coxa. É inato. Eu falo porque adquiri e treinei essa competência." O resultado não mudaria substancialmente se tivesse dito "Eu tenho a capacidade de falar porque não sou muda. É inato. Eu ando porque adquiri e treinei essa competência". Mas Filomena Viegas garante que "esta mudança de paradigma terá consequências nos resultados, já que a oralidade, a escrita ou a leitura são competências, não capacidades."

A discussão sobre a terminologia a utilizar nos documentos que orientam o currículo nacional é tão fútil quanto interessante do ponto de vista político. Para a prática dos professores tanto faz que chamem "objetivos" ou "metas educativas", "competências" ou "capacidades" àquilo que se ensina/aprende. Para os professores há, contudo, um grande senão que é ter de reformular toda a montanha de papelada que supostamente orienta a prática do professor em cada escola específica. Supostamente, porque essa papelada, que devia ser única a nível nacional, e que apenas deveria originar nova documentação no caso de existir alguma adaptação relevante ao nível de cada estabelecimento de ensino, não serve para nada a não ser para ocupar professores picuinhas, que em vez de prepararem aulas e trabalharem efetivamente com alunos preferem, ou masoquistamente a isso se resignam, a passar documentos a pente fino, substituindo competências por capacidades ou vice-versa. É um facto que os professores que a isso se dedicam costumam ser bons professores, mas isso é um mero sintoma colateral do sentido de missão de profissionais dedicados a uma prática profissional de solidão e eremitismo. Mexe-se e remexe-se em documentos estéreis da mesma forma que um ermitão passa as contas do rosário, em interminável maceração da carne para disciplina do espírito. Pouco interessa a quem ensina, se aquilo que ensina são competências ou capacidades. Na verdade, para além do exemplo apresentado por Eduardo Jorge Madureira Lopes no texto citado, as palavras "capacidade" e "competência" referem-se à mesma coisa, em planos temporais diferentes. Capacidade é aquilo de que se é capaz. Ensina-se de acordo com as capacidades dos alunos. Em princípio, não vou ensinar o teorema de Pitágoras a uma criança de 6 anos porque ela não tem essa capacidade, mas essa capacidade ou falta dela decorre das competências que a criança já tem. Ao contrário do que diz Filomena Viegas, não vai haver, à conta desta mudança terminológica, qualquer tipo de mudança de paradigma - mas há uma mudança política que interessa analisar se quisermos compreender como as palavras são utilizadas como estandartes políticos. Para uma certa esquerda teórica e ociosa, é preferível "competências", porque assim se valoriza aquilo que o aluno já aprendeu. Para uma certa direita não menos teórica e ociosa (apenas disfarçada de vigor guerreiro), é preferível "capacidades" porque, supostamente, foca o professor naquilo que há para fazer. E há, então, consequências, especialmente na avaliação dos alunos, já que se avalia o que o aluno não aprendeu e, desse modo, empurra-se o aluno para o "chumbo", enquanto que os paladinos das "competências" se focam naquilo que o aluno aprendeu (nem que seja quase coisa nenhuma) e por isso se empurra o aluno para o ano letivo seguinte, porque aprender, aprende-se sempre qualquer coisa, inflacionando o sucesso estatístico dos alunos. Não há qualquer mudança de paradigma com a mudança terminológica, mas há sempre uma mudança de orientação que, contudo, não se resume à substituição de uma palavra por outra. Repare-se, contudo, que nem subliminarmente esta mensagem passa para os agentes educativos. Tanto professores como alunos, como encarregados de educação são totalmente imunes ao valor ideológico desta ou daquela palavra em documentos que ninguém lê, a não ser por passatempo. As pessoas querem pragmatismo, não teoria. E transparência. Mas com estas discussões estéreis se vão mantendo os cérebros dos professores ocupados, não na busca de soluções, mas na busca de problemas onde eles não deviam existir. Quanto à transparência, fica para outras núpcias. Tanto a esquerda como com a direita seguem caminhos tendentes à parvoíce e à manipulação dos resultados. Mas neste vai e vem ideológico, quem se lixa é o professor. Com a esquerda no poder, é desvalorizado enquanto avaliador, obrigando-se às passagens administrativas dos alunos. Toda a gente passa e, com isso, a autoridade do professor é abalada, porque ao aluno médio só interessa passar, e muito encarregado de educação também pouco mais se importa para além disso. O professor tenta ensinar, mas a apetência pela aprendizagem é nenhuma. Com a direita, a autoridade do professor é, sem dúvida, valorizada (e quem o diz é uma pessoa de esquerda) - e isso é bom. Mas é valorizada apenas a autoridade em relação aos alunos. Em relação à tutela, o professor passa a ser um mero técnico cujo verdadeiro trabalho é absolutamente desvalorizado por um Ministério que pede excelência nos resultados mensuráveis, retirando qualquer valor ao trabalho humano, fazendo comparações onde elas não podem existir, de modo a cumprir a sua agenda de privatização do ensino e precarização das carreiras dos professores.

Discutir se é competência ou se é capacidade é irrelevante. A guerra que se esconde atrás destas palavrinhas, porém, não é.

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