segunda-feira, 30 de março de 2015

Jasão

Um gesto sem alento
Nascido em Si sustenido.
Enfim,
Um barulho consentido pelo vento.
Foi num negro momento perto do fim.
Ali,
Como quem vai a descontento contra si mesmo.
Ali mesmo.
Ao pé da negra mesa composta de teias e poeira.
Foi ali mesmo que pela primeira vez o ouvi
– ao simétrico sibilar do afastamento –
Ao lado do bolor
(bolôr? bolór?),
Que em jeito de massapão cobria o banquete intocado
Onde tinha, aliás, pousado, o cálice de vinho envenenado,
Que, aliás, não bebi...
Às escuras, até parece que ainda reluz.
Mas não. O veneno não ilumina.
É pus à procura da gangrena que o produz.
Não o bebi. Olhei apenas.
Sobre a poeira, uma cruz difusa de rubra projecção.
O caldo infuso de uma semente
Com parecenças a dente-de-leão.
Nessa mesma mesa, veladamente nupcial, onde me deste a salvação
Embrulhada na gaze imarcescente da traição,
Encontrei-te, pois, junto do fim,
No reflexo vermelho
Do primeiro encontro.
Não julgues que, quando viste as velas ao longe,
Era eu a governar o barco.
Não o julgues.
Estava aqui, abaixo do nível das águas
Que,
Por salgadas,
Julgávamos lágrimas quando,
Também,
Julgávamos que éramos nós quem provocava as ondas.
Estava aqui.
A povoar o chão de salitre.
Estava aqui.
Quando era ao teu lado que eu devia ter ficado.
Ao teu lado.
Tocável e oferecido, nem que fosse como essas sementes
Que me salvaram –
– com  parecenças de dente-de-leão:
Não porque voassem,
Mas porque exigissem a carne pútrida de quem as comesse para germinar –
Essas sementes que os teus gestos de bruxedo
Arrancaram do corpo em fruto do mesmo galho em que nasceste.
Essas sementes de repulsa que nasceram do desejo
E da fatalidade fratricida
E infanticida
Em que, por ilusão, me apareceste.

22 de novembro de 2006

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