terça-feira, 7 de abril de 2015

vii

Paulo Brabo, pegando num texto de Elliott Colla, professor de literatura árabe na Universidade de Georgetown, em que este relativiza a barbárie iconoclasta islâmica, expõe, no seu pensamento claro e luminoso que aquilo que é património histórico mundial, ou assim é classificado pelas "elites ocidentais" é "santo" ou "sagrado" porque é único e insubstituível e não porque as elites impõem a sua veneração. Os sítios arqueológicos destruídos por aquela laia rasca e abominável de gente são sagrados de forma absoluta da mesma forma que as vidas humanas ceifadas pela demoníaca iniquidade destas bestas porque tanto estes como estas, ao retornarem ao pó, não têm meios de ressuscitar a não ser por uma muito improvável intervenção divina. E de intervenções divinas estamos falados. Deus ainda dorme no nada, e se encarnou ou empeixou, já foi comido pelos abutres da inexistência. Ou da indiferença, que é pior. Por outro lado, D. Jorge Ortiga, eminência parva (não parda, que colorido é ele), apela, segundo o Diário do Minho de 5 de Abril passado, contra o "silêncio ensurdecedor" dos crentes que permitem o ataque à venerável instituição que é a "família cristã" e que segundo este pensador de meia tigela, deveria ser alcandorada à condição de património imaterial da humanidade. O fado é, o cante alentejano é, o samba também, logo, a família cristã também. A família é a unidade central de quase todas se não todas as sociedades, sejam elas ocidentais ou não. O que este senhor, na sua retórica fascista pretende, resume-se à eliminação da variedade. A destruição de património histórico é profanação porque empobrece a variedade das manifestações humanas a que temos acesso para estudo e usufruto, tal como a profanação de ambientes selvagens e o ataque à biodiversidade. Insistir que a variedade de comportamentos humanos que se fundam no amor entre pessoas é detestável apenas porque não cumprem as regras de uma instituição muito conhecida pela sua história de maldade e pelo seu presente inquinado por práticas corruptas e perversas, é comparável ao absurdo da teocracia islâmica. É um puro desrespeito pela caraterística que tornou o ser humano - que digo eu: que tornou a vida - aquilo que é.

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